Padre Hélio Campos
sábado, 6 de dezembro de 2014
sábado, 20 de setembro de 2014
POVO DO PIRAMBU REZA JUNTO COM MARIA LUIZA
No dia 23 de novembro de 1985 cerca de duas mil pessoas assistiram à missa em ação de graças pela vitória da Prefeita eleita Maria Luiza Fontenelle, na Igreja de Nossa Senhora das Graças, no Pirambu. O vigário da Paróquia, disse, em seu sermão, que "quando o povo se une, Deus está com ele". Afirmou isto com relação à vitória de Maria Luiza à Prefeitura de Fortaleza.
sábado, 1 de março de 2014
A CIDADE E OS INSUBMISSOS: "vem ver oh! Fortaleza o Pirambu passar"
Raimundo
Nonato Nogueira de Oliveira[*]
Disponível em
RESUMO
O presente artigo nasceu da
necessidade de se aprofundar as reflexões realizadas durante as aulas da
disciplina “Cidade e insubmissão”, ministrada pelos professores, D. Antônio de
Pádua Santiago de Freitas e Dr. Erick Assis de Araújo, no Mestrado Acadêmico em
História – MAHIS, da Universidade Estadual do Ceará, no semestre 2013.1. A
priori, nossa intenção nesse estudo é analisar a Marcha do Pirambu, realizada
pelos moradores daquele bairro sobre a Cidade de Fortaleza no dia 1 de janeiro
de 1962. Sendo assim, buscamos compreender o que motivou os moradores do
Pirambu a levar para as ruas as suas reivindicações e em que medida esse
movimento significou um ato de insubmissão.
Palavras-chave:
Insubmissão – Cidade – Pirambu – Igreja Católica.
[*] Graduado em História pela
Universidade Estadual do Ceará. Estudante do Mestrado Acadêmico em História e
Culturas da Universidade Estadual do Ceará. Orientador: Prof. Dr. Antônio de
Pádua Santiago de Freitas.
RÉSUMÉ
Cet article est né de la
nécessité d'approfondir les discussions tenues pendant les leçons de la
discipline « Ville et insubordination », présenté par les enseignants, d.
Antônio de Pádua Santiago de Freitas et Dr Erick Assis de Araújo, Masters
universitaires en histoire – MAHIS, State University du Ceará, dans la première
moitié des 20131.. A priori, notre intention dans cette étude est d'analyser le
mars de Pirambu, tenue par les résidents de ce quartier de la ville de
Fortaleza, le 1er janvier 1962. Par conséquent, nous cherchons à comprendre ce
qui a motivé les villageois Pirambu arpentent les rues leurs revendications et
dans quelle mesure ce geste signifie un acte d'insubordination.
Mots clés: Insubordination - Ville - Pirambu -
Catholique Église.
1.
Introdução.
Desde a sua origem o Pirambu
carrega o estigma da inferioridade. Entre os moradores perpassava a ideia de
que aqueles que moravam em barracos em condições sub-humanas seriam portadores
de uma doença terrível: a miséria. Sendo, portanto, alvos fáceis da violência e
por isso desacreditado e excluído.
Goffman (2008:27) nos diz que
o “indivíduo estigmatizado ou é muito agressivo ou é muito tímido e que, em
ambos os casos, está pronto a ler significados não intencionais em suas ações”.
E, essa característica pode ser observada entre os moradores do Pirambu e
aqueles que frente a esses indivíduos “estranhos”, ignoram suas qualidades e
passam a olhar apenas com descrédito, atribuindo-lhe a condição de pessoa má e
perigosa.
No presente artigo
pretendemos entender o Pirambu, que durante muito tempo carregou o atributo de
bairro violento e miserável, e que, acabou se projetando a partir da construção
da Paróquia de Nossa Senhora das Graças, sendo, portanto, um espaço de lutas e
expressão política na década de 1960, notadamente a partir da luta pela
desapropriação das terras, o que se configurou com a Marcha sobre a Cidade de
Fortaleza em 1962.
Partindo dessa premissa e
tendo como base as reflexões realizadas durante a disciplina “Cidade e
insubmissão”, chegamos à conclusão de que a atitude de não se submeter à
determinada norma social consiste, pois, num ato de insubmissão. E a Marcha dos
moradores do Pirambu é um bom exemplo de insubmissão.
2.
A Cidade, suas vitrines e a marcha dos insubmissos.
Começamos este tópico
analisando a Cidade de Fortaleza na década de 1930, a formação da favela do
Pirambu e a famosa Marcha Sobre a Cidade em 1962.
Pensar a cidade de Fortaleza
na década de 1930 é pensar uma cidade que oferecia surpresas aos olhos,
surgidas a partir das muralhas da Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção. A
cidade “(...) com suas ruas que giram em torno de si mesmo como um novelo”
(Calvino, 1990:45), fechado dentro de si mesmo, deixando a sua periferia
invisível. A cidade polo de atração não apenas das trocas econômicas e
migratórias, mas também lugar de trocas culturais (Barros, 2012:84). A cidade
moderna, que é espaço de criação da moda e padrões de comportamento. Aquela que
se constitui em pontos de encontro de civilizações,[1]
e por isso nem sempre pertence aos seus habitantes (Barros, 2012:84), mas ao
olhar estrangeiro tão presente na Urbe. Para as elites da cidade “civilização e
progresso são termos destinados a manter as mais estreitas relações”
(Starobinski, 2001:15).
Por isso, a cidade dos
casarões, praças e comércio desenvolvido dava as costas para as habitações de
taipa, esquecidas entre as dunas brancas do Pirambu e os terrenos baldios que
despontava entre os trilhos e o cemitério São João Batista.[2]
As famílias do Pirambu
passaram a habitar os casebres localizados entre as dunas, que se moviam de
acordo com as forças dos ventos que sopravam do mar e que muitas vezes
soterravam as casas ou obstruíam as ruelas sinuosas e estreitas começaram a se
organizar bem antes mesmo da chegada do Padre Hélio Campos.
Motivados pela situação de
extrema miséria e exclusão social, os moradores do Pirambu se engajaram no
movimento em prol do bairro. Muitas reuniões foram realizadas nas casas de
alguns moradores, que a partir de um discurso referente à necessidade da luta
pela desapropriação da terra, acabam por assumir uma posição de liderança.
José Maria Tabosa nos diz
que, apesar da organização, os moradores do Pirambu tinham dificuldade de
comunicação com as autoridades governamentais, para que as mesmas pudessem
ouvir suas reivindicações. Tal situação motivou as lideranças do bairro a
procurar o vigário da Paróquia dos Navegantes, no vizinho bairro de
Jacarecanga. Depois de se inteirar da situação dos moradores do Pirambu, Padre
Hélio Campos concordou em celebrar missas nesse bairro de pessoas excluídas e
marginalizadas.
Segundo Marins (1965), antes
de se tornar vigário do Pirambu, o Padre Hélio recebeu do Arcebispo de
Fortaleza autorização para celebrar missas numa casa localizada na Rua Nossa
Senhora das Graças. Tratava-se da antiga Gafieira do Arcanjo.[3]
O proprietário da antiga casa de diversão, já idoso, acabou se convertendo,
tornando-se um dos homens seguidores do Padre Hélio. Por tal motivo vendeu sua
propriedade ao Padre, que transformou o prédio em sede provisória da Igreja
Matriz do Pirambu. Mais tarde, o local foi transformado na fraternidade das
Irmãzinhas de Foucauld.[4]
Assim, de acordo com Marins
(1965), até o dia 19 de março de 1958, as missas no Pirambu eram celebradas na
capela da fraternidade das Irmãzinhas de Jesus, do Padre Foucauld. A partir
dessa data foi criada a Paróquia de Nossa Senhora das Graças do Pirambu, sendo
o Padre Hélio Campos, nomeado seu primeiro vigário, pelo então Arcebispo de
Fortaleza, Dom Antonio de Almeida Lustosa.
Na verdade, tratava-se de uma
sacristia onde futuramente seria construída a Igreja do Pirambu, conforme
destaca Marins:
No espaço de um
mês a sacristia estava concluída e passou a funcionar como Igreja paroquial.
Foram os homens de Pirambu que providenciaram tudo – pediram tijolos,
improvisaram-se em mestres de obras, transportaram materiais, deram horas de
serviço extra, recolheram tábuas desmantelando velhos caixões (...) destes,
alguns serviram para que finalmente, se fizesse a primeira porta da casa
paroquial. Mas dada a primeira experiência, a casa paroquial continuaria sempre
aberta para todos há todas as horas. Não raro o trabalho prolongava-se até duas
horas da madrugada. Os protestantes colaboraram trabalhando alguns dias,
juntamente com os demais, 20 horas continuam. O primeiro altar foi feito por um
comunista. (Marins, 1965:27)
Antes de sua total conclusão
a Igreja do Pirambu, apresentava um sino pendurado ao lado de um muro, que
esperava o revestimento definitivo. Aos domingos, o templo religioso reunia
muitos moradores do bairro. “O padre havia ganhado, pouco a pouco a confiança
de muitos” (Sampaio, 1971:139). Pessoas que se sentiam desmoralizadas ao se
declararem moradores do bairro. Pois,
predominava o estigma de que o bairro era violento, o que de certo modo,
desacreditava seus moradores diante do olhar daqueles que tinham um status social
mais elevado.
O Pirambu havia se tornado em
pouco tempo um bairro bastante populoso, mas a realidade era deprimente, pois
faltava infraestrutura básica, as famílias habitavam barracos sem nenhum
saneamento, infestados de verminoses, as mães davam à luz no único cubículo, numa
esteira de palha.
As ameaças de despejo eram
constantes, o que levou o Padre Hélio Campos a adotar uma postura crítica em
relação ao poder local. Tal fato pode ser evidenciado a partir de um depoimento
de um antigo morador do Pirambu, onde podemos perceber a coragem do Padre na
sua luta a favor dos pobres, enfrentando aqueles que se diziam proprietários
das terras e as autoridades policiais.
Uma vez, quando
a polícia quis derrubar uma casa, o Padre Hélio subiu no telhado e gritou de cima,
que podiam começar. (...) Ele bem organizou a sua defesa e um sistema de alarme
que podia avisar no período de uma hora quarenta mil paroquianos. (...) Mesmo
depois de uma declaração jurídica oficial em favor dos proprietários, o Padre
continuava a defender os pobres, pois duvidava do valor e legalidade dos
documentos apresentados. (...) Quando 19 famílias deviam deixar suas casas, ele
mandou soltar quatro horas antes 19 foguetes, e
imediatamente juntaram-se, bem em ordem, os homens do Pirambu, para impedir
o trânsito nas entradas do lugar. As mulheres e as crianças formavam um círculo
bem fechado, ao redor das casas comprometidas. O resultado? Não se pensa mais
na possibilidade, de desterrar o povo do Pirambu, sabendo, que qualquer nova
tentativa provocaria uma revolta pública na cidade, pois, os estudantes e
operários entrariam logo no primeiro alarme do Padre Hélio, em ação.[5]
As táticas utilizadas pelo
Padre Hélio Campos refletem o processo de organização dos moradores contra as
ameaças de despejos. Utilizando o tempo e o espaço de forma racional procurou
isolar o campo de luta, minando assim qualquer tentativa de reação por parte do
inimigo. Nessa perspectiva, Michel de Certeau nos fala que:
As táticas são
procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – às circunstâncias
que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, a
rapidez de movimento que mudam a organização do espaço, às relações entre os
momentos sucessivos de um “golpe”, aos cruzamentos possíveis de duração e
ritmos heterogênios etc. (Certeau, 2008:102)
Além de mobilizar os
moradores contra as ordens de despejos, o Padre Hélio passou a denunciar na
imprensa a situação de miséria do povo do Pirambu. O padre então, se apropria do discurso com
seus poderes e seus saberes (Foucault, 2009:44-45).
Contando com a ajuda da jovem
assistente social, Aldaci Barbosa,[6]
o Padre Hélio passou a se reunir com os moradores do Pirambu no espaço da
recém-construída Igreja de Nossa Senhora das Graças.
O Padre desde o primeiro
momento que abraçara a causa dos moradores do Pirambu contou com a ajuda das
assistentes sociais, estudantes universitários, lideranças locais: Peixoto,
Mundico, Eusébio, Laura, Vicente, Aracati, Luis Gonzaga, Aluísio, Arcanjo,
dentre outros moradores do Pirambu.
Além das assistentes sociais,
o Padre contou também com a ajuda de seminaristas e freiras que participaram da
organização de um núcleo da Juventude Operária Católica (JOC)[7]
no Pirambu. Tal iniciativa contribuiu para a formação intelectual dos jovens do
bairro, despertando neles uma visão de mundo mais crítica e uma disposição para
lutar contra a exclusão social e a exploração da sua força de trabalho pelos capitalistas
que comandavam as várias fábricas instaladas no entorno do bairro.
De acordo com Zé Maria
Tabosa, a instalação da JOC no Pirambu foi muito importante para a juventude do
bairro. Pois, a partir de então pode ter contato como os partidos políticos e
com os estudantes universitários.[8]
Fato esse, que trouxe significativas conquistas para os moradores do Pirambu.
Toda essa efervescência
política no Pirambu e as necessidades dos moradores motivou o Padre Hélio a
lançar em maio de 1960 o Plano de Recuperação do Pirambu. Esse plano consistia na organização do
bairro, tendo o Centro Social Paroquial Lar de Todos,[9]
como o órgão de planejamento no qual a Igreja e o Serviço Social trabalhariam
em conjunto, com o objetivo de erradicar a miséria do bairro.
Segundo o Padre José Marins,
com o Plano de Recuperação do Pirambu, o Centro Social Paroquial Lar de Todos,
seria o órgão impulsionador do bem estar de todos, estando, pois ligado a
quatro departamentos: Engenharia, Serviço Social, Saúde e Educação. O
departamento de Engenharia era encarregado pelo urbanismo e engenharia
sanitária, com a construção de casas populares, abertura de ruas e saneamento
do bairro. O departamento de Serviço Social, por sua vez, era encarregado pela
análise dos casos individuais, em grupo e organização social da comunidade, a
partir do acompanhamento das famílias, dos jovens, nas escolas, nos postos de
saúde, nas fábricas e na questão da habitação. Já o departamento de Saúde,
consistia num ambulatório, serviço odontológico, serviço de proteção à
maternidade e a infância, educação sanitária e clinica médica. E, por fim, o
departamento Educacional, consistia em trabalhar junto a Escola Primária,
Escola Maternal, Ginásio, Escola Profissionalizante e Escola de Líderes.
De acordo com notícias
veiculadas no Jornal Gazeta de Noticias, o Plano de Recuperação do Pirambu
tinha por objetivo garantir a melhoria das condições de vida de todos os
moradores e a redução da violência no bairro. Na edição do dia 11 de maio de
1960 esse jornal traz uma entrevista com o Padre Hélio Campos, onde o mesmo
revela a população cearense, a real situação dos moradores do Pirambu, que era
de extrema miséria:
(...) Padre
Hélio diz com lágrimas nos olhos que chegou a uma porta e pela primeira vez
teve de parar ao invés do habitual “Entre padre”, notou desconfiança. Insistiu
e a muito custo entrou. Um quarto (cubículo infecto, seria melhor dizer) estava
interditado. Mocinhas filhas da casa não
podiam sair, nem serem vistas. Estavam despidas. E não tinham roupa de espécie
alguma para vestir. Os pais calados, com vergonha: não diriam a ninguém o seu
drama. Mas a verdade foi vista. Padre Hélio encontrou solução para aquele
problema humano e pungente. (...) Pirambu é um manancial de problemas. É um
rosário de miséria a desafiar a competência administrativa das autoridades, do comércio, clero, imprensa,
rádio, indústria, de todos que vivem como gente. Naquele antro de rebotalhos
sociais, onde o crime encontra campo fácil e fértil, parece que a ação dos
seres humanos civilizados passou bem longe e parecerá incrível, aos mais
céticos represente a verdade, o que estamos dizendo e vamos dizer noutras
reportagens. A GN integra-se hoje na luta do Padre Hélio, de dezenas de jovens
alunos do curso de assistente social, na luta de todos, em busca de uma solução
para o problema Pirambu. (Gazeta de Notícias, Fortaleza, 11de maio de 1960, p.
4)
Na edição do dia 18 de
setembro de 1960, o jornal Gazeta de Notícias destaca a doação recebida pelo
Padre Hélio Campos, das mãos de Dona Ilka Carneiro. Tratava-se de uma camioneta
“Wolkswagen”, oferecida pelos deputados Carlos Jereissati e Raul Carneiro e das
Pioneiras Sociais. Ainda, segundo o jornal tratava-se de uma valiosa ajuda ao
trabalho de recuperação do Pirambu.
Na edição do dia 19 de maio
de 1960, na coluna intitulada “GN no Pirambu: uma conclamação ao Povo do
Pirambu e de toda Fortaleza”, o Sr. Vicente Paulo, representante do Conselho de
Homens do Centro Social do Pirambu, esclarece a população de Fortaleza a real
situação de vida a que estão submetidos os moradores do Pirambu e apontam quais
são as suas reivindicações:
Os 50 mil
habitantes do Pirambu anseiam por mais
escolas públicas com merenda para as crianças, chafarizes, cacimbas
públicas, caminhões da PMF para limpeza
pública (ao menos uma vez por semana), fossas nas residências (há uma
campanha que precisa ser reativada). A falta de trabalho, por que os homens de
negócios não instalam indústrias no Pirambu, é um dos pontos por que sempre nos
batemos e inclusive poderíamos ter a ajuda do Sr. Prefeito nas obras de
calçamento, serviços capazes de nos oferecer mais dignos salários. (Gazeta de
Notícias, Fortaleza, 19 de maio de 1960, p. 8)
A campanha em prol do Pirambu
ganhou os espaços do jornal Gazeta de Notícias. De acordo com Geraldo Walmir
Silva (1999), o jornalista Lesso Bessa nutria uma grande simpatia pela causa do
Pirambu. Com certeza, o discurso desse veículo de informação, de certa forma,
amenizou o estigma de que o Pirambu era apenas um bairro violento. A cidade
pode então conhecer que esse bairro era um celeiro de miséria e que necessitava
da ajuda de todos para conquistar sua dignidade.
Durante a década de 1960, o Pirambu foi
notícias em jornais, revistas e nas rádios locais. O estado de miséria do
bairro chamou a atenção até de entidades internacionais. Tal fato pode ser
evidenciado em 1961, quando da visita do jornalista Peter Pauquet e do Padre
Henrique Pauquet, enviado especiais do Cardeal Joseph Frings, Arcebispo de
Colônia. Os mesmos vieram divulgar a campanha de “Ação do Episcopado Alemão
Contra a Fome e a Doença”, no Nordeste Brasileiro. A comissão garantiu a
construção de um hospital para tuberculosos em Fortaleza e ao Padre Hélio uma
quantia em dinheiro para ajudar no Plano de Recuperação e Humanização do
Pirambu.
Na conjuntura de crises em
que se encontrava o país, o Pirambu surge como um bairro de insubmissos,
despertando temor e receios por parte daqueles que abominavam as ideias de
reforma social. Tal fato pode ser percebido na edição do dia 17 de dezembro de
1961, do jornal carioca “Correio da Manhã”, onde aponta o Nordeste como um
vulcão que a qualquer hora poderia explodir. Já que o contraste entre as
grandes riquezas e as infinitas misérias, uma palavra de revolta poderia fazer
uma revolução.
E o noticioso, continua
explicando que no campo, diversos grupos disputam a liderança dos movimentos
camponeses. A Igreja de Pernambuco com o trabalho do Padre Mello e a Igreja do
Pirambu em Fortaleza com o trabalho do Padre Hélio Campos, ambos realizando
obras sociais profundas, que na visão dos conservadores, poderiam representar
iniciativas de esquerda.
Enquanto o bairro e seu
vigário eram notícias nos diversos meios de comunicação da época, os moradores
se preparavam para a Marcha sobre a Cidade. Eles se reuniam por áreas e por
setores. O Pirambu era composto pelas seguintes comunidades: Lagoa Funda,
Japão, Casas Novas, João XXIII, IAPI e Arpoadores.
A Paróquia também começava a
se organizar e apresentava o seguinte organograma: Uma Assembleia Geral – que
era o órgão máximo dos moradores e se reunia de dois em dois anos. Um Conselho
de representantes, com reunião semanal; deste órgão faziam parte o diretor
geral, o administrador geral, os diretores dos diversos órgãos e dois
representantes de cada comunidade. Um Diretor Geral que era eleito pela
Comunidade. A Assistente Social, Aldaci Barbosa era a coordenadora geral, sendo
auxiliada por uma assessoria técnica e administrativa; no qual coordenava os
setores da administração, catequese, saúde, educação, trabalho, setor urbano,
setor do serviço social e da diversão.
Essa forma de organização do
Pirambu foi um fator de extrema importância para o êxito da Marcha, cuja
preparação se dera durante dois anos com intensas reuniões, cujo objetivo maior
era o processo de conscientização dos moradores. E, foi a partir dessas
reuniões que nasceu o Hino do Pirambu.
De acordo com Zé Maria
Tabosa, nas grandes reuniões ocorridas no Pirambu, os militantes do PCB com
alguns moradores cantavam o Hino da Internacional Comunista, fato esse que
muito incomodava o Padre Hélio Campos. Diante de tal questão propôs aos
moradores a criação de um Hino que representasse os ideais dos moradores
daquele bairro. Coube ao Padre Geraldo Campos, irmão do Padre Hélio, a tarefa
de reunir alguns moradores e juntos criarem o Hino do Pirambu. A partir de
1961, o Hino já era entoado nas reuniões e nas celebrações nas diversas
comunidades do Pirambu.
A criação do Hino do Pirambu
reflete uma tensão entre as posições, constitutiva da estrutura do campo[10]
de poder presentes no bairro. A Igreja não poderia permitir aos seus seguidores
cantar o Hino da Internacional Comunista, por isso precisaria ter o seu próprio
Hino. E, o Hino do Pirambu ecoou pelos quatro cantos da Cidade de Fortaleza no
dia 1 de Janeiro de 1962. Ele anunciava a chegada do povo do Pirambu,
denunciavam em seus versos as desigualdades sociais tão evidentes na Cidade e
chamando a atenção dos ricos para os “favelados”, que também eram seres humanos
e tinham direitos que ninguém poderia tirar.
Os moradores do
Pirambu, cujo líder religioso se inspirava nos princípios das encíclicas papal
“Rerum Novarum”,[11]
de Leão XIII e “Mater et Magistra”[12]
de João XXIII, tinham na Marcha a preocupação com a questão social, que
inspirava o sacerdote a se colocar à frente do movimento, pondo em prática seus
ensinamentos.
A reforma social à luz da
doutrina cristã era uma necessidade dos moradores do Pirambu e do Padre Hélio
Campos, pois desejavam uma sociedade mais justa e humana. E diante de tal fato,
se propunham a denunciar as injustiças sociais e a miséria do povo do Pirambu.
A Marcha idealizada pelos
moradores do Pirambu foi divulgada pela imprensa local com certo temor,
principalmente quando o padre Hélio Campos afirmou que a mesma se tratava de
uma advertência aos poderosos do Estado.
Os jornais locais noticiaram o fato como se não fosse possível um padre
e seus seguidores conseguirem concentrar um número significativo de pessoas.
Porém, o movimento se concretizou no dia 1 de janeiro de 1962, quando a
população do bairro, após a celebração de uma missa no pátio à frente da Casa
Paroquial às 16 horas, saiu marchando pelas ruas da Cidade, indo pela Avenida
Francisco Sá, prolongando-se pela Rua Guilherme Rocha, Sena Madureira e
finalmente Conde D’Eu, onde os manifestantes de forma pacífica passaram a
ocupar os espaços da Praça da Sé.
Maria Luiza Fontenelle nos
conta que um dos registros mais importantes dessa época foi o livro Aldeota, de
Jáder de Carvalho, em que ele diz que:
Enquanto que nos
jornais registravam o crescimento da cidade. O crescimento da Aldeota com uma
burguesia nascente, ligada ao comércio, a exportação. Ele diz que, essa
burguesia foi ameaçada com a Marcha do Pirambu. Pois foi a primeira vez que um
movimento desse porte colocou nas ruas as suas reivindicações, não só através
de cartazes, não só através de faixas, mas através da música: “Vem ver oh!
Fortaleza o Pirambu passar...” E o Jáder disse que se tratava de uma Marcha pacífica.
As pessoas não ameaçaram do ponto de vista físico, absolutamente, nem nada, nem
ninguém. No entanto, aquela multidão na rua era a expressão da força do povo.[13]
Vejamos o que diz Jáder de
Carvalho (2003) em seu livro Aldeota:
A multidão
marchava quase vagarosamente. Não semelhava uma avalanche a espraiar-se nas
ruas. Não cantava canções revolucionárias. Não gritava protestos. Não pedia
cabeças. Não reclamava o sangue dos ricos. Não delirava de ódios, marcada por
fanatismo. Não era mística. Mas todo o sentido da sua realização bramia num
cartaz. O cartaz incendiava-se nestes dizeres: “Pecado mortal é morrer de
fome”. (Carvalho, 2003:414)
Na manhã do dia 2 de janeiro
de 1962, os jornais cearenses anunciavam a Marcha do Pirambu. A cidade
despertava com as manchetes que denunciavam os gritos dos insubmissos que
ousaram desafiar o poder local e as elites de Fortaleza, desfilando pelas ruas
da cidade, com suas faixas e cartazes denunciando as injustiças sociais e
pedindo uma reforma social. A Marcha foi manchete nos jornais, O Povo, Correio
do Ceará, Gazeta de Notícias, O Nordeste e O Estado, que deram bastante
destaque ao acontecimento que chamou a atenção da coletividade, sendo, pois, o
início de uma série de transformações que iria se verificar em Fortaleza nas
décadas seguintes, notadamente, no bairro do Pirambu e em outros bairros pobres
da cidade, a partir da organização das Comunidades Eclesiais de Base, base de
sustentação da Teologia da Libertação, que viria a surgir somente no final da
década de 1960.
3.
Considerações Finais.
Consideramos, portanto que a
Marcha dos moradores do Pirambu pelas ruas de Fortaleza como um ato de
insubmissão que ameaçou a burguesia da cidade e despertou temor por parte da
hierarquia da Igreja Católica. Esta foi a primeira vez que os moradores de uma
favela levaram para as ruas as suas reivindicações através de faixas, cartazes
e entoando o famoso Hino do Pirambu.
De acordo com Costa (1995:23)
a partir da realização da Marcha, abrem-se as portas para o Pirambu. Esse fato
acabou projetando o bairro como um dos pioneiros no cenário dos Movimentos
Sociais Urbanos de Fortaleza, mostrando que, através da organização, o povo é
capaz de vencer e conquistar seus objetivos. A Marcha também propiciou ao
direito a terra, fato esse, que se evidenciou através do Decreto Lei 1.058, de
25 de maio de 1962.
Embora tenha conseguido a
desapropriação das terras junto ao Governo Federal, os moradores do Pirambu
enfrentaram pela frente uma longa história pela posse da terra. O estigma da
pobreza e da violência permaneceu, apesar da visibilidade alcançada com a
Marcha do Pirambu.
NOTAS:
[1] De acordo com STAROBINSKI, Jean.
As máscaras da civilização: ensaios.
Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2001: “a
palavra civilização diz respeito aos abrandamentos dos costumes, educação dos
espíritos, desenvolvimento da polidez, cultura das artes e das ciências,
crescimento do comércio e da indústria, aquisição das comodidades materiais e
do luxo” (p.14).
[2] Espaço construído em 1866 para
receber os mortos vitimados pela varíola e outras epidemias que assolavam o
Ceará no século XIX.
[3] A Gafieira do Arcanjo,
juntamente com: Castanhola, Riso da Noite, Maracanguaia, Pau-do-Meio e Gozo do
Siri são entre as 11 gafieiras existentes no Pirambu na época, as mais famosas.
As Gafieiras eram locais de bebidas, danças e mercado de meretrício.
[4] Em 1958 o Padre Hélio Campos
abriu no Pirambu a Casa das Irmãzinhas de Jesus. Ordem religiosa iniciada na
espiritualidade do beato católico francês Charles Eugène de Foucauld (1858-1916),
sendo divulgada na Igreja pelo padre René Voillame, fundador dos Irmãzinhos de
Jesus. Foi na passagem desse padre por
Fortaleza em 1958, quando proferiu palestra sobre a espiritualidade de Charles
de Foucauld , na Faculdade de Filosofia, onde estudavam jovens que motivados
pelas palavras do religioso acabaram entrando para a Fraternidade feminina
Jesus Caritas.
[5] Entrevista com Francisco Carlos
da Silva, o Carlos Careca, morador do Pirambu. Entrevista realizada no dia
15/10/2010 em sua residência no Bairro Nossa Senhora das Graças.
[6] Aldaci Barbosa conheceu o Padre
Hélio Campos, quando fazia estágio como assistente social em uma fábrica de
tecido localizada bem próxima a casa paroquial da Igreja dos Navegantes, em
Jacarecanga. Na época a jovem assistente
social, sentia-se incomodada com as exigências dos dirigentes da fábrica,
cuja mentalidade era a de que o Serviço
Social fosse utilizado como instrumento de controle dos operários, dificultando
assim a organização dos mesmos. Depois que expôs ao Padre a sua decepção com a
função que desempenhava na fábrica de tecidos, o mesmo convidou-a a participar
da missão evangélica no Pirambu.
[7] A JOC foi um dos muitos grupos
representando setores médios da sociedade a surgir no Brasil após a Segunda
Guerra Mundial. Ele foi o primeiro a ser reconhecido pela hierarquia da Igreja
em 1948. A partir de 1950 vieram a Juventude Agrária Católica (JAC), a
Juventude Universitária Católica (JUC), a Juventude Estudantil Católica (JEC) e
a Juventude Independente Católica (JIC).
[8] No início da década de 1960, a
União Estadual dos Estudantes esteve muito presente nas lutas dos moradores do
Pirambu. O presidente de tal entidade estudantil, o acadêmico Willys Santiago
Guerra foi um dos grandes amigos da campanha de recuperação do Pirambu, lançada
em maio de 1960 pelo Padre Hélio Campos.
[9] De acordo com Aldaci Barbosa
(1959): O Centro Social Lar de Todos foi instalado no prédio construído pelo Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), em convênio com a Prefeitura de Fortaleza,
para abrigar o Grupo Escolar Dr. Odorico de
Morais; Ciro Sampaio ( 1971) esclarece que o prédio permaneceu durante
algum tempo fechado em meio a construção e que os moradores invadiram o prédio e com a ajuda do Padre
Hélio concluíram a obra.
[10] Vide BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação
social. Tradução Mariza Corrêa. 11.ed. Campinas, SP: Papirus, 2011, p. 65.
[11] A encíclica Rerum
Novarum de 1891, do Papa Leão XIII fala sobre a condição dos operários é
considerada o ato primeiro do ensino social da Igreja Católica. Na sua
introdução ao tratar da a Igreja e a questão social, ela diz que: É com toda a confiança que Nós
abordamos este assunto, e em toda a plenitude do Nosso direito; porque a
questão de que se trata é de tal natureza, que, se não apelamos para a religião
e para a Igreja, é impossível encontrar-lhe uma solução eficaz. (...) E a
Igreja, efetivamente, que haure no Evangelho doutrinas capaz de por termo ao
conflito ou ao menos de suavizá-lo, expurgando-o de tudo o que ele tenha de
severo e áspero; a Igreja, que se não contenta em esclarecer o espírito de seus
ensinos, mas também se esforça em regular, de harmonia com eles a vida e os
costumes de cada um; a Igreja, que, por uma multidão de instituições
eminentemente benéficas, tende a melhorar a sorte das classes pobres. Carta
Encíclica <> do Sumo Pontífice Papa Leão XII <
Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.html
> Acesso em 15/10/2013.
[12] Mater et Magistra é uma Carta
encíclica do Papa João XXIII que fala sobre a evolução contemporânea da vida
social à luz dos princípios cristãos, publicada no dia 15 de maio de 1961. Na
terceira parte desse documento destaca-se os
novos aspectos da questão social, onde se diz que: o avanço da história faz
ressaltar cada vez mais as exigências da justiça e da equidade que não intervêm
apenas nas relações entre operários e empresas ou direção destas, mas dizem
também respeito às relações entre os diversos setores econômicos, entre zonas
economicamente desenvolvidas e zonas economicamente menos desenvolvidas dentro
da economia nacional, e, no plano, mundial, às relações entre países
desigualmente desenvolvidos em matéria econômica e social.
JOÃO XXIII. Mater et magistra. Carta Encíclica de 15 de maio de 1961. Disponível em: . Acesso em: 25/08/2013
[13] Entrevista com Maria Luiza
Fontenelle, realizada em sua residência no dia 30/09/2013.
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FONTES
ORAIS
Entrevista com Francisco Carlos da Silva, o
Carlos Careca, morador do Pirambu. Entrevista realizada no dia 15/10/2010 em
sua residência no Bairro Nossa Senhora das Graças.
Entrevista com Maria
Luiza Fontenelle, realizada em sua residência no dia 30/09/2013.
Entrevista com Maria
Luiza Fontenelle, realizada em sua residência no dia 30/09/2013.
JORNAIS:
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 17 de
dezembro de 1961.
Correio do Ceará, Fortaleza, 2 de
janeiro de 1962.
Correio do Ceará, Fortaleza, 3 de
janeiro de 1962.
Gazeta de Notícias, Fortaleza, 11 maio
1960.
Gazeta de Notícias, Fortaleza, 19 de
maio de 1960.
Gazeta de Notícias, Fortaleza, 18
setembro 1960.
Gazeta de Notícias, Fortaleza, 3 de
janeiro de 1962.
O Estado, Fortaleza, 3 de janeiro de
1962.
O Nordeste, Fortaleza, 2 de janeiro de
1962.
O Povo, Fortaleza, 6 de setembro de
1960.
O Povo, Fortaleza, 2 de janeiro de 1962.
DOCUMENTOS
DA IGREJA:
Carta Encíclica <<Rerum Novarum>> do Sumo Pontífice Papa Leão XII. Disponível
em: <http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_15051891_rerum-novarum_po.html
> Acesso em 15/10/2013.
Carta
Encíclica <<Mater et magistra>>
do sumo Pontifice Papa João XXIII. Disponível
em:. Acesso em: 25/08/2013
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